Foi, sem dúvida, um ano de grandes emoções para o Direito Eleitoral.
O papel principal da matéria esteve com a Câmara dos Deputados. Partindo do enorme (e exitoso) esforço do Grupo de Trabalho para Sistematização das Normas Eleitorais (em duas fases), coordenado pelo ministro Fachin, formou-se uma riquíssima base inicial para construir o novo Código Eleitoral. E foi uma base levada em consideração pela deputada Margarete Coelho, relatora do projeto na Câmara. A relatora, com sólida formação acadêmica na área, coordenou grupos com entidades como a Abradep, com mais de cem pesquisadores envolvidos. Um fluxo contínuo de ideias, no final, conformou a maior e a melhor reforma da legislação eleitoral desde o Código de 1932. Agora a bola está com o Senado.
Em paralelo ao trabalho da Câmara, o TSE fez movimentos muito relevantes na construção de entendimentos em grandes temas de Direito Eleitoral, sobretudo no grande tema do momento: disseminação de notícias falsas.
Em decisão envolta em muita polêmica, o TSE determinou, de forma inédita, que as plataformas digitais suspendessem repasses financeiros a páginas que propagavam (na visão do TSE…) desinformação. A eventual restrição à liberdade de expressão gerou resistência de grupos políticos articulados, sobretudo governistas. A decisão ainda avançou para limitar o uso de algoritmos que sugeriam canais e vídeos de conteúdo político dessas mesmas páginas. O ataque às urnas eletrônicas pelas páginas “censuradas” foi o principal vetor da decisão.
A decisão parece inspirada nos alertas de Giuliano da Empoli, no livro “Os Engenheiros do Caos”. É necessário frear os efeitos deletérios do encontro de algoritmos com fake news, entendeu o TSE.
Um tempo depois, o TSE julgou o caso mais esperado ano: a ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Como era a expectativa do mundo acadêmico, a cassação foi rejeitada. Havia certo consenso que os elementos concretos do processo eram insuficientes para conformar uma hipótese de gravidade (potencialidade). Não obstante, o TSE usou o julgamento para um recado muito claro sobre a eleição de 2022: absoluta intolerância com fake news e disparos em massa. Reconheceu-se a possibilidade de cassação por abuso de poder nesses casos — algo inédito para o TSE. Cresce a apreensão e a pressão para a eleição do próximo ano.
Logo depois, ainda a envolver fake news e segurança da urna eletrônica, o TSE tomou a decisão mais polêmica de 2021: a cassação do deputado Francischini. Sem precedentes, o TSE cassou um mandato popular mesmo reconhecendo explicitamente que o ato eleitoral supostamente ilícito não tinha tido repercussão no resultado eleitoral. A mudança do vocábulo potencialidade por gravidade nunca reorientou a jurisprudência para dispensar o nexo de causalidade entre o ilícito e o resultado final. É um nexo de causalidade exigido no mundo inteiro para cassações de mandato.
Por mais reprovável que tenha sido a “live” do ex-deputado, a faltar vinte minutos para o encerramento da votação ninguém poderia supor que a expressiva votação de quase 430 mil votos tenha relação com a fala que veiculou uma tese esquizofrênica de fraude nas urnas eletrônicas. A cassação é um precedente muito perigoso e em completa desarmonia com os julgados do TSE e do Direito Comparado. A cassação de mandato é anulação da eleição e não sanção.
Considerando essa última decisão, é possível dizer que o TSE foi ao ponto em 2021, mas também — não se pode negar — passou do ponto no tema de fake news. A tarefa agora deve estar com o grupo de trabalho da Câmara, coordenado pelo deputado Orlando Silva, que discute a criminalização da disseminação em massa de notícias falsas. É nesse ambiente que as sanções devem ser contempladas, nunca em cassações de mandatos populares.
Foi um ano e tanto para o Direito Eleitoral. Agora é apostar que 2022 comece com a aprovação no Senado do novo Código Eleitoral.